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O QUE CABE NO ORÇAMENTO?


Paulo R. Haddad


Há inúmeros e muitas vezes politicamente insuperáveis obstáculos para a implementação de um programa tradicional de austeridade fiscal no Brasil. Do lado da despesa pública, englobando os três níveis de governo, as autoridades enfrentam imensas dificuldades para equacionara avalanche de demandas prioritárias nos orçamentos consolidados, tais como: a erradicação da extrema pobreza e da miséria social de milhões de famílias brasileiras, as melhorias e a modernização da infraestrutura econômica e social do País, a ampliação e a adequada qualidade dos serviços públicos de saúde e de educação, o financiamento das políticas públicas renovadas, etc.


Do lado da despesa pública, os governos deveriam estar gastando mais e não menos para contribuir para o desenvolvimento sustentável do País (=crescimento econômico globalmente competitivo + equidade social + sustentabilidade ambiental). Neste sentido, uma política de austeridade, ao contingenciar e reduzir os gastos públicos, acaba se constituindo em parte do problema e não da solução visando melhorias nas condições de vida da população, particularmente dos pobres que dependem da renda indireta promovida pelos serviços públicos essenciais.


No Brasil, seria possível resolver esses dilemas racionalmente, a partir da transferência de experiências vivenciadas por outros governos em países onde ocorreu um processo radical e endógeno de mudanças nas estruturas dos gastos públicos, visando adequá-las à agenda de prioridades da sociedade, um processo que foi implementado tecnicamente através do orçamento de base zero (zero based budgeting).


Diferentemente dos orçamentos tradicionais que são de natureza repetitiva, o orçamento de base zero não faz apenas pequenas variações nos orçamentos passados, mantendo sua estrutura de base. Na verdade, o orçamento de base zero permite incorporar a nova agenda de prioridades da sociedade nas políticas, programas e projetos ao longo do processo de alocação dos recursos escassos disponíveis. Identifica e elimina atividades e funções programáticas obsoletas e socialmente inúteis. Amplia o grau de comunicação transversal e de interdependência entre políticas públicas de diferentes órgãos. Descortina oportunidades de privatizações, de terceirizações e de concessões de bens e serviços públicos e semipúblicos. Impõe a necessidade de que servidores públicos organizem suas metas e seus objetivos em função de sua missão, a partir de retreinamento profissional específico. Pode envolver certamente a necessidade de desvinculação dos recursos orçamentários de determinadas despesas previstas nas legislações vigentes.


De acordo com a metodologia do orçamento de base zero, nenhum órgão da administração direta e indireta dispõe, inicialmente, de cotas preestabelecidas ou corrigidas segundo regras uniformes. É bastante provável que, no processo de mudanças a serem implementadas, surja o imperativo de reduzir o número atual de Ministérios e de órgãos da administração federal; que programas e projetos de interesses clientelísticos ou velados tenham que ser desativados; que, ao adotar o modelo de planejamento participativo, as burocracias tenham que compartilhar o seu poder de decisão com os novos protagonistas sociais; que novos programas e projetos inovadores sejam incorporados à agenda orçamentária.


É lamentável o nível de desorganização do setor público no Brasil em termos do Orçamento Geral da União. A estratégia de equilíbrio das contas públicas vem se processando através de corte de despesas, de aumento de impostos, de receitas extraordinárias derivadas de concessões e de privatizações. Prevalece, sem dúvida, a perspectiva de uma dominância contábil sob o imperativo do equilíbrio interno e externo das contas públicas. Qual o problema, então? São, pelo menos, três.


Como o Governo Federal não dispõe de um processo de planejamento de médio e de longo prazos, o corte das despesas se realiza sem uma definição de prioridades, com os cortes sendo selecionados casuisticamente em função da vocalidade e da pressão política da base de sustentação do governo e da disponibilidade de recursos em cada rubrica do orçamento.


Em segundo lugar, por não dispor de uma visão de futuro para o País, o Governo Federal torna-se um multiplicador de incertezas para todas as instituições públicas e privadas que dependem, direta ou indiretamente, de algum recurso orçamentário, de custeio ou de investimento para a implementação de seus projetos.


Finalmente, como não há uma avaliação sistemática dos programas, projetos e atividades que compõem o orçamento, frequentemente, de um ano para o outro, vão se corrigindo linearmente os diferentes gastos públicos, de forma tal que a sua estrutura torna-se inflexível, independentemente de ter sido construída ao longo do tempo através de uma gestão pública ineficiente e de clientelismo político recorrente. Atrás de cada Real de gasto público, há um conjunto de interesses mobilizado através de um movimento social, de um setor produtivo, de uma região, de um Estado ou de um município, tornando rígidas a escala e a composição de gasto público. Na atual estrutura do poder político, o máximo que se consegue são ajustes incrementais ad hoc num dado volume do total dos gastos.


Sem saída? Claro que não. Na minha opinião, o diagnóstico da crise fiscal está inacabado. O problema fiscal está no lado da receita e não apenas da despesa: temos despesa pública insuficiente porque temos PIB e receita fiscal de menos. Não se trata de aumentar a carga tributária do País, mas de mantê-la inferior a um terço do PIB sob o risco de prevalecer desequilíbrios nos preços relativos e nos incentivos da economia de mercado.


O que fazer? Acelerar o crescimento do PIB através da estruturação e implementação do Terceiro Ciclo de Expansão da Economia Brasileira no pós-II Grande Guerra. Em termos do valor da carga tributária, trata-se de acelerar o crescimento do denominador (o PIB) para acelerar o crescimento do numerador (a arrecadação tributária). Nos últimos quarenta anos, o Brasil tornou-se um país de baixo crescimento econômico. Se tivéssemos mantido o ritmo de expansão de 5% ao ano como no período de 1900 a 1980, o brasileiro teria hoje o padrão de vida médio do italiano ou do espanhol.


As tentativas de acelerar o crescimento do País através de eixos de desenvolvimento ou de integração(as diferentes propostas dos PACs) fracassaram porque dependiam pesadamente de investimentos públicos degovernos em profunda crise fiscal. Mas há alternativas que implicam em novas funções e missões do Poder Público, que mobilizam recursos latentes da sociedade civil, que utilizam mais intensamente os capitais intangíveis que se acumularam desde os anos 1950, que se organizam a partir do nosso progresso científico e tecnológico, etc.


Em resumo: após quatro décadas de uma economia de baixo crescimento, os problemas socioeconômicos e socioambientais do País se acumularam e há uma intensa demanda para a expansão dos gastos públicos. Nos últimos anos, os Governos têm equacionado esse descompasso através de contingenciamentos e cortes ad hoc das despesas públicas. Na verdade, o Brasil precisa crescer e o que precisa ser feito tem que ser feito.


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