A experiência brasileira, desde 2014, quando a economia entrou em crise de crescimento, mostra que os governantes iniciaram os respectivos mandatos com o compromisso de implementar um conjunto de reformas de base visando a modernizar o nosso sistema político-institucional para a retomada do processo de desenvolvimento do País. Como esse processo de transformação é lento e politicamente desgastante, os governantes se impacientam, desaceleram o esforço reformista e assumem o estilo populista de governar, passando a ser guiados por uma perspectiva de ações de curto em curto prazo.
Esse estilo tem características fundamentais, segundo a análise histórica de Barry Eichengreen, da Universidade de Stanford na Califórnia. O populismo está florescendo em um contexto de nossa história de fraco desempenho da economia (a segunda década perdida de desenvolvimento), de desigualdades sociais e regionais profundas (estamos entre os cinco países do Mundo com maior concentração de renda e de riqueza, e sem políticas de desenvolvimento para as áreas economicamente deprimidas), de mobilidade social declinante (com cerca de 30 milhões de brasileiros desempregados, subempregados e desalentados) e precário campo de oportunidades para as novas gerações (a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos ficou em 29,8% ao fim de 2020
As políticas econômicas de líderes populistas autoritários são danosas e destrutivas, e os seus impactos sobre as instituições são corrosivos. A melhor ilustração, no atual contexto brasileiro, é a desconstrução das instituições que formulam e implementam as políticas públicas ambientais, resultando em perdas irreparáveis de nossos ativos e serviços ambientais em todos os Biomas, particularmente na Amazônia.
Outra característica do estilo populista de governar :o populismo arregimenta a população contra a informação e o conhecimento científicos. Não há evidência maior, atualmente, do que o comportamento das autoridades do Governo Federal face às estratégias de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus: desautorização das recomendações dos cientistas brasileiros de padrão técnico internacional e a crença tipicamente medieval em propriedades imaginárias dos benefícios no tratamento precoce.
Como dizia o pensador austríaco Carl Menger, um dos mentores do liberalismo da Escola de Economia de Chicago, ainda em 1870: “Quanto mais elevada for a cultura de um povo, e quanto mais profundamente os homens investigarem a sua própria natureza, tanto menor será o número de bens imaginários”.
Eichengreen ainda destaca duas características do estilo populista de governar que podem ser observadas nas práticas cotidianas do atual mandato presidencial. O populismo é divisivo e provoca, recorrentemente, desacordos e tensões entre interesses conflitantes na sociedade. E as atitudes, que esses líderes estimulam, têm a capacidade de promover o que há de pior entre os seus seguidores.
Assim, os governantes acabam se jogando nos braços dos grupos politicamente conservadores do Congresso Nacional, que passam a prevalecer sobre o núcleo central das ideias e ideologias que fundamentam a coerência, a consistência e a resiliência dos programas prioritários do governo. Como diz o provérbio italiano, entre o dizer e o fazer, no meio tem o mar.
Paulo R. Haddad é professor emérito da UFMG. Foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco.
Texto originalmente publicado no jornal O Tempo em 01/07/2021
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