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MANEJO DE PASTAGENS E REMOÇÕES DE GÁS CARBÔNICO DA ATMOSFERA

– A TRAJETÓRIA EM DIREÇÃO A UMA PECUÁRIA NET ZERO NA AMAZÔNIA – INTENSIFICAÇÃO DAS PESQUISAS NA BUSCA DE SOLUÇÕES SUSTENTÁVEIS PARA REGIÃO





Em continuidade aos artigos que serão publicados no livro “AS SOLUÇÕES SUSNTENTÁVEIS QUE VÊM DOS TRÓPICOS”, apresentamos o artigo do pesquisador Moacyr Bernardino Dias Filho, sobre o importante tema do manejo de pastagens para auxílio da remoção de gás carbônico na atmosfera.


O texto explica a evolução da pecuária amazônica e aborda a importância da pecuária bovina na Amazônia associar a eficiência da produtividade à adequação ambiental, o chamado manejo preventivo das pastagens. Essa associação contribuirá para melhoria da segurança alimentar, redução dos desmatamentos e consequentemente da emissão do gás carbônico.



*Moacyr Bernardino Dias-Filho

(pesquisador Embrapa Amazônia Oriental)


A pecuária bovina na Amazônia tem a sua gênese no distante século 17, quando se tem o registro da chegada, através de Belém, no estado do Pará, das primeiras cabeças de Bos taurus no vale amazônico, introduzidas pelos colonizadores portugueses. Durante esses últimos 400 anos, a pecuária bovina tem percorrido um processo evolucionário que vem consolidando a sua expansão na região.


Se montarmos uma linha do tempo, relativa à evolução da pecuária bovina na Amazônia, durante esses últimos 400 anos, será possível identificar quatro fases (Figura 1). Assim, entre meados de 1600 a meados de 1960, a pecuária amazônica viveu a sua primeira fase, a qual foi marcada por sistemas ultra extensivos e ineficientes. Uma nova fase iniciou-se em meados dos anos 1960, estendendo-se até meados de 1980. Nessa segunda fase, prevaleceram sistemas extensivos e pouco eficientes.





Figura 1. Evolução da pecuária bovina na Amazônia brasileira. Fonte: Adaptado de Dias-Filho; Lopes (2020).


Em meados dos anos 1980, iniciou-se a terceira fase da pecuária bovina na Amazônia, a qual persiste até o presente. Nessa atual fase, predominam sistemas menos extensivos e mais eficientes. No entanto, concomitante à essa atual (terceira) fase, uma nova fase da pecuária bovina na Amazônia vem sendo gradualmente construída. Assim, o uso crescente de sistemas de produção mais intensivos e menos amadores tem sido a base dessa quarta fase, que ora se constrói. Ou seja, a busca de maior produtividade, eficiência e, como consequência, maior adequação ambiental, sem dissociar-se da manutenção da segurança alimentar, são as características dessa quarta fase da pecuária amazônica. Essa nova fase tem o seu fundamento na crescente profissionalização da atividade, via uso do chamado manejo preventivo das pastagens.


A primeira fase da pecuária bovina na Amazônia brasileira teve a sua base nas pastagens naturais, em geral, de baixa produtividade e de baixo valor nutritivo e no gado crioulo, bovinos descendentes geneticamente degenerados do gado introduzido pelos portugueses, no início da colonização. Durante essa fase, a infraestrutura de transporte, para o abastecimento de carne bovina à população das principais cidades da região, grandemente dependente das vias fluviais, era precária e ineficaz.


Como resultado dessa conjuntura deficiente de produção e transporte, o abastecimento de carne bovina in natura na região amazônica era muito limitado. Essa crise no abastecimento de carne bovina estendeu-se até meados dos anos 1960, atingindo, principalmente, a população mais pobre, ou seja, a maioria dos habitantes da Amazônia. Durante esse período de insegurança alimentar, a desnutrição da população amazônica era considerada “alarmante” e, segundo estudos da época (anos 1960), não teria solução enquanto a pecuária regional fosse “inadequada e deficiente”.


A “Operação Amazônia”, lançada em 1966 pelo governo federal, objetivava, em tese, reverter o quadro de miséria do amazônida e de abandono da região, no qual a insegurança alimentar era um dos principais dilemas. Dentre as ações desse programa de governo, destacava-se a concessão de incentivos fiscais, estimulando investimento privado para integrar a Amazônia ao processo econômico produtivo nacional.


Em decorrência dessa política de incentivos, houve uma intensa migração de investidores para a região. Na época, muitos desses investidores optaram pela agropecuária (pecuária de corte extensiva) como a principal linha de projeto postulante à concessão de inventivos fiscais. Aliado a isso, a abertura da rodovia Belém-Brasília e de outras estradas de integração regional permitiu o acesso a novas áreas para a formação de pastagens e expansão do rebanho bovino. Essas rodovias também impulsionaram o escoamento da produção de carne e fomentaram o melhoramento genético do rebanho bovino regional, com a intensificação da importação de reprodutores e matrizes zebuínas do Triângulo Mineiro.


O resultado imediato foi o aumento na proporção de pastagens plantadas e no grau de sangue zebuíno na pecuária amazônica, melhorando muito a oferta da carne bovina e diminuindo o seu preço para a população. Essa nova realidade da pecuária amazônica inaugurou a segunda fase dessa atividade na região.


Durante essa segunda fase, a prevalência de um padrão extensivo de produção, assim como a carência de tecnologias de manejo de pastagens e de opções de capins mais adaptados à região amazônica, resultou na baixa longevidade produtiva dessas pastagens plantadas. Assim, em decorrência da incapacidade em manter alta produtividade, ao longo do tempo, as metas de produção eram, na maioria das vezes, alcançadas à custa do abandono das pastagens improdutivas (degradadas) e da formação de novas pastagens em áreas de floresta.

Esse padrão extensivo de produção favoreceu o aumento das áreas de pastagens degradadas e o desmatamento na região, contribuindo para tipificar a pecuária amazônica como uma atividade improdutiva e prejudicial ao meio ambiente.


Nessa conjuntura, na qual prevalecia uma pecuária extensiva, agronomicamente frágil e com poucas opções tecnológicas para melhorar a sua eficiência e produtividade, foram concebidas as primeiras ações regionais de pesquisa agropecuária para reverter esse quadro.

A partir de meados dos anos 1970, diversos centros de pesquisa da Embrapa, na Amazônia, intensificaram atividades de pesquisa com o objetivo de estudar as causas da baixa produtividade das pastagens, nas diversas regiões pastoris amazônicas e criar estratégias para reverter esse processo. Essa iniciativa, chamada, na época, de Projeto Propasto, teve grande impacto na geração de conhecimento, proporcionando o desenvolvimento e a difusão de tecnologias para o manejo adequado e a recuperação de pastagens na região amazônica.


Somou-se às ações de pesquisa para o melhoramento das pastagens amazônicas, o lançamento, a partir de meados dos anos 1980, de diversas cultivares de capins, as quais mais do que duplicaram as opções antes existentes de forrageiras adaptadas para a formação de pastagens nessa região. Nesse cenário de maior disponibilidade e uso de tecnologia e, como consequência, sucessivo aumento de produtividade, inaugurou-se uma nova etapa na pecuária amazônica, a Fase 3.


Um forte indicador do aumento de produtividade, nessa terceira fase da pecuária amazônica, que iniciou em meados dos anos 1980, pode ser mensurado pela evolução superior a 200%, segundo dados do Censo Agropecuário, na taxa de ocupação das pastagens (cabeça de bovino por hectare de pastagem), para a região Norte, a partir de 1975. Também, observou-se desaceleração na formação de novas áreas de pastagens, a despeito do grande incremento do rebanho bovino regional, durante esse período.


Tal desaceleração, que perdura até o presente, sugere aumento substancial na produtividade dessas pastagens, além de crescente reutilização das áreas já abertas, por meio da recuperação das pastagens degradadas. Esse fato pode ser confirmado nos dados gerados pelo MapBiomas, sobre a evolução da produtividade das pastagens no bioma Amazônia, entre 2000 e 2020. Nesse levantamento, as áreas de pastagens produtivas expandiram em 38% e a degradação de pastagens recuou 26%, nessas duas décadas. Isso representa uma evolução significativa da pecuária amazônica, em termos produtivos e ambientais.


Portanto, não se pode negar a evolução tecnológica alcançada pela pecuária amazônica, nesses últimos 400 anos, que possibilitou a mudança de padrões essencialmente improdutivos (Fase 1) e extensivos (Fase 2), para um modelo mais tecnificado e produtivo (Fase 3). No entanto, seria também possível afirmar que, em geral, a eficiência média da pecuária regional ainda está abaixo do seu real potencial, existindo uma ampla “reserva tecnológica” para melhorias em produtividade e eficiência. A evidência dessa afirmativa é o manejo amador que persiste em muitas áreas de pastagens amazônicas, nas quais, entre outras falhas, não é usado o capim mais adequado, a taxa de lotação animal não é corretamente ajustada, não é observado um intervalo adequado entre pastejos e não se aduba ou corrige regularmente o solo para manter, ou aumentar, a produtividade da pastagem. Ou seja, erros de manejo, com ampla possibilidade de serem contornados, com o uso racional da tecnologia já disponível para a pecuária regional.


Se o fundamento para a terceira fase da pecuária amazônica foi a maior disponibilidade e adoção de tecnologia, vários têm sido os promotores dessa mudança de rumo na condução da pecuária regional. Dentre esses promotores, foram particularmente importantes as pressões políticas e ambientais contra o desmatamento. Também, teve e ainda tem importância a valorização do preço e a diminuição na disponibilidade de terra na região, motivadas, principalmente, pelo avanço da agricultura de alta tecnologia, em áreas antes ocupadas por pastagens.


No entanto, o promotor mais importante para a atual evolução da pecuária bovina na Amazônia tem sido a mudança de atitude de uma parcela crescente de produtores regionais, os quais, por iniciativa própria, ou por necessidade ou pressão externa, estão desenvolvendo a atividade de forma mais eficiente e profissional. A percepção dessa nova classe de produtores é que se deve errar menos para poder sobreviver em um mercado global cada vez mais ávido por proteína animal de qualidade, mas também atento a impactos ambientais. Nesse sentido, além de continuarem empenhados em recuperar as passagens improdutivas, esses produtores estão, além disso, manejando preventivamente as suas pastagens ainda produtivas ou já recuperadas, evitando a degradação.


Essa mudança de atitude, por parte desses produtores, está direcionando a pecuária amazônica à uma nova fase, a Fase 4. Nessa nova fase, o amadorismo que ainda persiste na condução dessa atividade está sendo gradativamente abandonado em favor do profissionalismo típico de uma pecuária empresarial, independentemente do tamanho da propriedade rural.

Essa nova fase da pecuária amazônica está alinhada às metas brasileiras no Acordo de Paris. Mais especificamente, às metas para zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, intensificar a atividade pecuária, recuperar pastagens, reduzir emissões de gases-estufa e recompor a vegetação florestal, aumentando, ao mesmo tempo, a capacidade de produção de carne (e leite) nas pastagens regionais.


A lógica é que o aumento na produção, em resposta à recuperação de pastagens, é uma forma de evitar o desmatamento (desmatamento evitado) e evitar também as emissões de gases-estufa para a atmosfera (emissões evitadas). Assim, por exemplo, o animal criado em pastagens produtivas levaria menos tempo para ir ao açougue e, portanto, emitiria menos gases-estufa para a atmosfera, por arroba produzida.

Além disso, tão importante quanto a redução das emissões, sempre destacadas nas discussões ambientais sobre a pecuária, deve-se focar também nas remoções de gás carbônico da atmosfera. Essas remoções geralmente não são consideradas nos cálculos das emissões totais da pecuária, mas são a chave na busca da chamada “pecuária net zero”, que procura neutralizar os impactos da pecuária, em termos de emissões de gases-estufa.


No caso da pecuária, é fundamental reconhecer que o principal fator de remoção, em pastagens produtivas, ou seja, não degradadas, é o carbono estocado no solo, por meio da fotossíntese dos capins tropicais, extremamente eficientes nessa função. Ao mesmo tempo em que essas pastagens, ao serem mantidas produtivas, evitam que esse carbono armazenado progressivamente no solo, pela decomposição das raízes das plantas forrageiras, seja liberado para a atmosfera.


Assim, na Fase 4 da pecuária amazônica, além de dar continuidade às ações de redução das áreas de pastagens degradadas, por meio da recuperação, como já vem acontecendo na Fase 3, o produtor rural, maior responsável pela construção dessa nova fase, vem profissionalizando a atividade, mantendo as pastagens produtivas, desde a sua formação, por meio do manejo preventivo. Tais práticas têm contribuição significativa para o armazenamento de carbono no solo.


A recuperação de pastagens degradadas e o manejo profissional das pastagens ainda produtivas e daquelas já recuperadas têm papel decisivo na construção da nova fase da pecuária amazônica (Fase 4). Essa profissionalização da pecuária, fundamentada no uso racional da tecnologia já existente, permite o contínuo crescimento da produção regional de carne, sem a necessidade de expansão das áreas de pastagem ou ampliação das áreas degradadas. Isto é, o aumento da produtividade e a preservação ambiental são a base dessa Fase 4, conciliando a melhoria da segurança alimentar com a redução dos desmatamentos e da pegada de carbono da pecuária amazônica.


Literatura consultada:


BANCO DA AMAZÔNIA. Desenvolvimento econômico da Amazônia. Belém, PA: Universidade Federal do Pará, 1967. 290 p. (Coleção Amazônica. Série Augusto Montenegro).

DIAS-FILHO, M. B. Breve histórico das pesquisas em recuperação de pastagens degradadas na


Amazônia. In: DIAS-FILHO, M. B.; ANDRADE, C. M. S. de (Ed.). Recuperação de pastagens degradadas na Amazônia. Brasília, DF: Embrapa, 2019. p. 13-54.


DIAS-FILHO, M. B. Manejo profissional da pastagem: fundamento para uma pecuária empresarial. Belém, PA: Embrapa Amazônia Oriental, 2017. 30 p. (Embrapa Amazônia Oriental. Documentos, 404). Disponível em: https://bit.ly/3I4yY4u. Acesso em: 15 fev. 2022.


DIAS-FILHO, M. B. Reclaiming the Brazilian Amazon: the restoration and management of pasture lands. Embrapa Amazônia Oriental, 2014. 30 p. (Embrapa Amazônia Oriental. Documentos, 454). Disponível em: https://bit.ly/3gZjXoE. Acesso em: 15 fev. 2022.


DIAS-FILHO, M. B. Recuperação de pastagens e segurança alimentar: uma abordagem histórica da pecuária na Amazônia. Bebedouro: Scot Consultoria, 2013. 116 p.


DIAS-FILHO, M. B.; LOPES, M. J. S. Histórico e desafios na pecuária bovina na Amazônia. Belém, PA: Embrapa Amazônia Oriental, 2020. 34 p. (Embrapa Amazônia Oriental. Documentos, 454). Disponível em: https://bit.ly/3gZjXoE. Acesso em: 15 fev. 2022.


IBGE. Pesquisa pecuária municipal – PPM: séries históricas: efetivo dos rebanhos, 1974 - 2018.

2018.


Projeto MapBiomas – Mapeamento Anual de Cobertura e Uso da Terra do Brasil - Coleção 6, Disponível em: https://bit.ly/3s2B3Ze. Acesso em: 13 jan. 2022.


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