Paulo R. Haddad
Este texto foi elaborado dentro dos seguintes pressupostos:
que parece ser inevitável a exploração de petróleo na Margem Equatorial por motivo de segurança energética e de retomada do crescimento econômico do Brasil;
que é possível elaborar uma solução político-institucional para um projeto que concilie crescimento econômico, sustentabilidade ambiental e equidade social na Amazônia;
caso não seja possível chegar-se a um acordo, pelo PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO das políticas ambientais, a exploração deve ser postergada.
“A hora que começarmos a explorar a chamada margem equatorial, acho que a gente vai dar um salto de qualidade extraordinária”.
“Queremos fazer tudo legal, respeitando o meio ambiente, respeitando tudo, mas nós não vamos jogar fora nenhuma oportunidade de fazer esse país crescer”.
Presidente Lula, em evento com investidores
PARTE A
ARGUMENTOS
Conta-se que o Primeiro-Ministro de um determinado país, antiga colônia do Império Britânico, escreveu para a Rainha da Inglaterra agradecendo-lhe pela colaboração técnica no processo de planejamento do país, mas pedia-lhe que, da próxima vez, enviasse economistas que tivessem uma única mão. Intrigada a Rainha telefonou para o Primeiro-Ministro para compreender as razões do seu inusitado pedido. O Primeiro-Ministro explicou que toda vez, diante de um problema complexo e controverso, perguntava ao economista-chefe da cooperação técnica qual a melhor solução do problema e o economista apresentava argumentos de um lado (in one hand) e argumentos de outro lado (in the other hand), sem decidir o que deveria ser feito, deixando-o com o impasse inicial.
Esse parece ser o contexto para definir o que fazer com a nova fronteira de exploração de petróleo na Amazônia localizada no Norte do País, entre os Estados do Amapá e do Rio Grande do Norte, a Margem Equatorial, a qual “apresenta um importante potencial petrolífero e conta com uma série de oportunidades para melhorar a vida de milhares de brasileiros. Existe a possibilidade de gerar empregos, aumentar a arrecadação e participar de um desenvolvimento regional e nacional”.
Entretanto, há uma intensa resistência da opinião pública nacional e internacional quanto à exploração de petróleo na Amazônia, liderada por organizações não governamentais, movimentos sociais e intelectuais. Esse conflito é absolutamente previsível, pois não se resolvem problemas complexos e controversos ao nível de governo diante de um conflito de argumentos, mas sim através da governabilidade ou governança. Não basta a aprovação ao nível da legislação governamental (Licença Prévia + Licença de Instalação + Licença de Operação); é indispensável a Licença Social para Operar. Ou seja, o problema precisa ser tratado também no campo da governança, o entendimento entre o setor público (governo), o setor privado (empresas e indivíduos consumidores) e a sociedade civil (organizações não governamentais, movimentos sociais).
Mas, as regras de governo não se impõem às consultas prévias à sociedade que será impactada pelos custos ou pelos benefícios dos projetos de investimentos mais complexos? Sim e Não. Sim, pois cria-se um espaço público para que as comunidades possam, em audiências públicas, apresentar suas críticas e sugestões dentro do estilo de planejamento participativo. Não por três motivos:
1. assimetrias de informações, os empreendedores tendem a dominar mais informações do que comunidades desinformadas sobre o vir a ser do projeto na sua fase de operação;
2. diante de tanta informação técnica especializada, por precaução face aos recente desastres ambientais (Mariana, Brumadinho, Rio Grande do Sul, etc.), as comunidades preferem se organizar para protestos quando conseguem perceber os primeiros impactos ambientais adversos dos investimentos;
3. as comunidades desconfiam por conhecimento dos efeitos de projetos equivalentes, que Keynes denominava “as mentiras plausíveis”.
A DANÇA DAS CONTROVÉRSIAS: dois pra lá, dois pra cá
Quando confrontamos os argumentos da sociedade civil com os argumentos da PETROBRÁS, vemos que há um elevado nível de racionalidade técnica e de sensibilidade política na maioria desses legítimos argumentos, os quais efetivamente não escondem interesses velados. Esses podem ser sumarizados tomando, inicialmente, como base, a reprodução de argumentos de governança propostos pelo Greenpeace que atua no Brasil há 30 anos, no documento. “Petróleo na Amazônia não!” (artigo de Lu Sudré, jornalista do Greenpeace):
a. Argumentos Ambientalistas:
1) “Precisamos evitar o pior da crise climática.
Acabar com a queima dos combustíveis fósseis, processo responsável pela emissão dos gases de efeito estufa e consequente aquecimento do planeta, é imprescindível para que metas dos acordos de combate à crise do clima sejam alcançadas.
A janela de oportunidade para manter o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC, como propõe o acordo de Paris, está se fechando, de acordo com alerta do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC).
Continuar a investir em combustíveis fósseis é escolher o agravamento dos fenômenos climáticos extremos, uma grave ameaça ao meio ambiente e às populações em situação de vulnerabilidade.
A eliminação justa e progressiva do carvão, do petróleo e gás natural são essenciais para o futuro das diferentes formas de vida no planeta. Liberar mais exploração de fósseis, ainda mais na Amazônia, vai na contramão desse objetivo.
2) Perigo para a biodiversidade
A Amazônia, maior floresta tropical do mundo, é guardiã de uma biodiversidade única e extremamente sensível – ou seja, estamos falando de espécies de fauna e flora que só ocorrem nesta região e que, caso impactadas por um eventual derramamento de petróleo, terão muita dificuldade para se regenerar.
Na Bacia da Foz do Amazonas, por exemplo, está localizado o maior corredor contínuo de manguezais do planeta. Não há como estimar o tamanho da destruição desse ecossistema caso óleo toque a costa. Na região também está o Grande Sistema de Recifes da Amazônia.
Dados do Monitor Amazônia Livre de Petróleo mostram que o setor avança em todo a Pan-Amazônia. Por aqui, no entanto, a situação é mais grave: a Amazônia brasileira detém 52% dos blocos de petróleo (aproximadamente 451) que estão dentro das categorias de estudo, oferta e concessão em terra e mar (onshore e offshore).
A presença dessa indústria na floresta e na costa amazônica já é uma realidade, trazendo ameaças à biodiversidade e aos povos que lá vivem e que só irão se expandir caso a Bacia da Foz do Amazonas também seja perfurada.
Sobre essa região, em específico, há de se considerar a falta de conhecimento consolidado sobre as correntes marinhas, já que o aporte de água do rio Amazonas que deságua no oceano Atlântico sofre influência do Oceano Atlântico – o que dificulta mais clareza nas modelagens sobre como aconteceria a dispersão do óleo em caso de vazamento.
3) Equívoco econômico
Diante de um horizonte de descarbonização da economia global, seguir apostando em novos projetos de exploração de petróleo pode se tornar um equívoco econômico a longo prazo.
A Agência Internacional de Energia projeta o pico da demanda do petróleo para antes do fim dessa década, com posterior declínio. Isso significa que a exploração na bacia da Foz do Amazonas, por exemplo, se iniciada hoje, iria começar a produzir petróleo para um mercado em pleno encolhimento.
Além disso, a Agência Internacional de Energia Renovável aponta que o retorno global do investimento em energia renovável é sete vezes maior do que os combustíveis fósseis.
4) Uma transição climática justa de verdade
A Petrobras, que acabou de completar 70 anos, anuncia ser protagonista da transição energética do Brasil. Contudo, gasta milhões com a expansão do petróleo na Bacia da Foz do Amazonas e em outras regiões. Em seu plano estratégico para o período de 2023-2027, apresenta um investimento relacionado ao portfólio de baixo carbono de US$ 4,4 bilhões, apenas 5,6% do total das despesas de capital da estatal.
Agora, imagine se, de fato, a estatal priorizasse a transição energética justa, voltando investimentos e capacidade técnica para esse objetivo?
O governo federal também tem tropeçado neste caminho. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anuncia a retomada da proteção da Amazônia, mas não se opõe à exploração de petróleo na região.
A contradição também aparece no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Verde, que prevê mais de R$ 449 bilhões para projetos de “transição e segurança energética”. No entanto, R$ 273,8 bilhões deste montante serão para a ampliação da exploração petroleira.
Há orçamento e caminhos para a execução de uma transição energética justa e efetiva. Basta que essa seja, de fato, a escolha.
5) Falsas promessas
A indústria do petróleo apresenta seus projetos para a população como uma certeza de emprego e crescimento econômico por meio dos chamados royalties. Mas o que a realidade registra é que as empresas têm lucros altíssimos sem a contrapartida necessária para o bem-estar público.
Este é o caso de Maricá, no Rio de Janeiro. Artigo publicado pelo Clima Info detalha como, apesar do município ter um robusto fundo de royalties, serviços básicos ainda estão sucateados.
O Rio de Janeiro é o maior produtor de petróleo do país em razão dos poços da Bacia de Campos. Porém, segundo o IBGE, mais de 4 milhões viviam abaixo da linha da pobreza no estado, em 2021.
Municípios com pouca infraestrutura, como é o caso do município do Oiapoque, no Amapá, sentem, majoritariamente, os impactos negativos da atividade. A maior parte dos empregos de qualidade gerados pela exploração de petróleo e gás não seria ocupada pela população local, pois a mão de obra para essa atividade é altamente especializada.
6) Liderança climática comprometida
Lula e lideranças de seu governo têm colocado o Brasil como liderança climática e amazônica, no entanto, esse protagonismo está ameaçado pela aposta na expansão do petróleo em áreas sensíveis.
Ao apoiar mais projetos de exploração, é possível que o papel assumido pelo presidente Lula de cobrar os países mais ricos, que mais contribuem para a crise climática, seja fragilizado. Até oportunidades de financiamento climático podem ser afastadas do país.”
b. Argumentos pela Exploração
b.1. Tem sido intenso o processo de produção de energia renovável no Brasil que já dispões de uma matriz energética bastante limpa. Entretanto, o processo avança globalmente de forma lenta e instável, podendo se estender até a segunda metade do século 21. Isto significa que a demanda de petróleo e gás deverá crescer no Brasil de forma significativa ao longo dos próximos anos. Para evitar as incertezas de eventuais desabastecimentos ou de repiques inflacionários de custos a partir da escassez relativa dos derivados de petróleo, não podemos fazer uma aposta em que a crise bélica no Oriente Médio não vai afetar a oferta global de petróleo, em que a OPEP não vai nos surpreender em algum momento, como fez no início dos anos 1970, com a elevação abrupta dos preços dos barris; que o efeito-substituição de energia renovável pela energia não renovável não terá grande elasticidade-renda da procura de mercado.
b.2. A PETROBRÁS vem se tornando uma empresa padrão do século 21: competitiva, inclusiva e sustentável, diferentemente de muitas empresas brasileiras, as quais, diante da crise financeira de 2008, abandonaram a estratégia do Triple Bottom Line e abraçaram a estratégia de maximização de lucro Friedmaniana dos anos 1970, que endossa a “Criação de valor para os acionistas”, ainda que os lucros sejam manchados de lama e de sangue. Os projetos disponibilizados para a Margem Equatorial fazem parte da Nova Geração de Soluções da PETROBRÁS e vão viabilizar soluções com foco em sustentabilidade, sendo:
· utilização de algoritmos de última geração, inteligência de dados e computadores de alto desempenho (HPC);
· ampliação da operação remota, diminuindo consideravelmente possíveis riscos ambientais;
· uso eficiente dos dados sísmicos, geológicos e de poços, desde as fases iniciais do projeto exploratório até o desenvolvimento dos campos;
· otimização dos projetos exploratórios e de desenvolvimento da produção, através do uso massivo de dados e tecnologias e redução nas intervenções com o objetivo de dimensionar os impactos das atividades de E&P.
b.3. O Brasil precisa voltar a crescer de forma sustentada e sustentável, uma vez que a sua taxa de expansão do PIB se desacelerou desde os anos 1980. No século 21, nas duas primeiras décadas, enquanto a China cresceu no acumulado de 345%, o Brasil, também no acumulado, cresceu apenas 26% no mesmo período. Como consequência, muitos problemas estruturais vieram se acumulando: os indicadores de concentração da renda (= salários + juros + lucros + aluguéis) e da riqueza (mobiliária e não mobiliária) se reproduziam; os desequilíbrios regionais de desenvolvimento persistiram (o padrão de vida do alagoano ou do maranhense é cerca de três vezes inferior ao padrão de vida das áreas desenvolvidas do Sul e do Sudeste); as políticas sociais compensatórias foram insuficiente para impactar os regimes de desigualdades*[1]; não basta um crescimento ocasional e flutuante, é necessário que se organize e se implemente o Terceiro Ciclo de Expansão do pós-II Grande Guerra (o Primeiro foi durante o Plano de Metas de JK e o Segundo durante os anos 1970 com os militares no Poder).
b.4. A atual política econômica está fundamentada no modelo de equilíbrio fiscal expansionista que assim pode ser caracterizado: equilibre as contas consolidadas dos três níveis de governo com o objetivo de se atingir o déficit zero, apoiando-se em reformas político-institucionais (do Estado, Previdenciária, Tributária) e no controle da dívida pública, o que levará a um ambiente macroeconômico de confiança e de expectativas favoráveis no processo de retomada do crescimento econômico. A grande dificuldade desse equilíbrio macroeconômico com crescimento está no descompasso entre a lenta expansão da base tributável decorrente do crescimento pífio da economia (da renda, do PIB, dos patrimônios) e a expansão acelerada dos gastos públicos a partir da implantação das indispensáveis políticas públicas pós-Constituição de 1988. Ou seja, há uma avalanche de despesas públicas à procura de fontes de fundos para financiá-los que tendem a dificultar a formação de equilíbrios fiscais no médio prazo. Essa formação passa, na verdade, pela expansão da base tributável através da expansão da economia, do PIB, da Renda, dos Patrimônios.
b.5. A retomada do crescimento econômico não é um subproduto cronológico do equilíbrio fiscal consolidado. Crescimento se faz a partir de novos projetos de investimentos com os seus impactos positivos sobre a renda, o emprego e a base tributável, a partir de efeitos diretos, indiretos e induzidos dada a interdependência estrutural da economia. Atualmente há alguns projetos de investimentos em nível de análise no Brasil, que são consistentes com o equilíbrio fiscal e com o inequívoco interesse da iniciativa privada, que passam nos testes das taxas internas de retorno privadas e sociais, que têm a intensidade, a cadência e o sequenciamento necessários para a escalada do crescimento; podendo-se citar: o New Deal Verde; a transformação do Brasil no terceiro maior produtor mundial (abaixo da China e da Alemanha) de bens de capital e de bens duráveis de consumo relacionados com as mudanças climáticas; a promoção das aglomerações produtivas de micro, pequenas e médias empresas tendo como fundamento o Modelo de Desenvolvimento da Terceira Itália; a organização e a implementação de Centros Industriais de Bioeconomia na Amazônia; o Terceiro Salto de Inovações Científicas e Tecnológicas da Agropecuária Brasileira com a exportação de alimentos para o Sudeste Asiático pelo novo Porto de Chancay no Peru, entre outras.
O Brasil precisa retomar o seu processo de crescimento econômico sustentado e sustentável para ampliar o campo de oportunidades visando: à realização dos projetos de vida dos jovens de 18 a 25 anos; a equacionar os problemas socioeconômicos e socioambientais; a mobilizar “o espírito animal” dos empreendedores brasileiros; a conservar, preservar e recuperar os ecossistemas dos seis Biomas; a reabilitar e a resgatar a dignidade e a autoestima dos desempregados, subempregados e desalentados. Crescimento de médio e de longo prazo se faz a partir da acumulação de capitais tangíveis (máquinas, instalações, infraestruturas, recursos naturais) e intangíveis (capital humano, capital intelectual, capital social, capital cívico, capital institucional). Entre as diferentes propostas em nível de pré-projetos de investimentos, está seguramente a exploração de petróleo na Margem Equatorial pela PETROBRÁS, que preenche todos os requisitos para alavancar um processo de desenvolvimento sustentável no Brasil.
PARTE B
O PROJETO
A preocupação maior com a concepção da exploração de petróleo na Amazônia e na sua área de influência direta e indireta (aii) se refere a que a Região é o mais amplo e multifacetado ecossistema brasileiro que presta serviços ambientais para o bem-estar social sustentável de toda a Humanidade. A Amazônia vem sendo objeto de um processo de degradação desde o Período Colonial, passando pelo Império e pela Primeira República, e que se acelerou a partir de 1970, durante o ciclo dos grandes projetos de investimentos (GPI) diretamente produtivos e de infraestrutura econômica. A Região perdeu mais de 20 por cento da floresta prístina e, a partir das mudanças climáticas, assiste-se o risco de sua ruptura ecossistêmica através de um processo de savanização da Região.
Se não houver uma reversão nas práticas da pirataria ambiental que tratam o meio ambiente como se fosse um almoxarifado de recursos naturais a serem pilhados livremente, as futuras gerações assistirão ao colapso do ecossistema da Amazônia num futuro não muito distante. Esse período pode encurtar se houver um processo de enfraquecimento das instituições públicas responsáveis pela fiscalização das estruturas regulatórias (normas, decretos, leis) de comando e controle do Governo Federal, responsável pelo Patrimônio Nacional. O receio legítimo dos ambientalistas se relaciona com a possibilidade de que a exploração de petróleo na Margem Equatorial venha a acelerar o processo de degradação ambiental da Região.
Segundo Estudo da FEA/USP, (“A Economia da Mudança do Clima no Brasil”) na Amazônia, o aquecimento poderia chegar a 7º C e/ou 8º C em 2100, o que prenuncia uma alteração radical da Floresta Amazônica – a chamada savanização. Estima-se que as mudanças climáticas resultariam em redução de 40% da cobertura florestal na região sul-sudeste-leste da Amazônia que seria substituída pelo Bioma Savana.
O interesse internacional em relação aos impactos ambientais do desmatamento sobre as mudanças climáticas na Amazônia se relaciona com a emissão de gases de efeito estufa (CO² e gases equivalentes). Estudos preveem ademais que as mudanças no uso da terra poderão levar à degradação dos sistemas de água doce, à perda de solos de melhor qualidade do ponto de vista ecológico e do uso agrícola, ao clima regional, ao avanço da savana seca etc.
Carlos A. Nobre, Gilvan Sampaio e Luis Salazar confirmam que a Amazônia desempenha um papel importante no ciclo de carbono planetário, e pode ser considerada como uma região de grande risco do ponto de vista das influências das mudanças climáticas. Concluem que: “A Amazônia vem sendo submetida a pressões ambientais de origem antrópica crescentes nas últimas décadas, tanto pressões diretas advindas dos desmatamentos e dos incêndios florestais, como pressões resultantes do aquecimento global. A estabilidade climática, ecológica e ambiental das florestas tropicais amazônicas está ameaçada por essas crescentes perturbações, que, ao que tudo indica, poderão tornar-se ainda maiores no futuro. A ciência ainda não consegue precisar quão próximos estamos de um possível ponto de ruptura do equilíbrio dos ecossistemas e mesmo de grande parte do bioma Amazônico, mas o princípio da precaução nos aconselha a levar em consideração que tal ponto de ruptura pode não estar distante no futuro. Um colapso de partes da floresta tropical trará consequências adversas permanentes para o planeta Terra” (Ciência e Cultura, vol. 59, nº 3, SP).
DO CRESCIMENTO ECONÔMICO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Em setembro de 2015, os Estados Membros das Nações Unidas se comprometeram com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que inclui um conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para o período de 2015-2030. Esses Objetivos constituem um plano de ação mundial para a inclusão social, a sustentabilidade ambiental e o crescimento econômico.
Pode-se afirmar que um país ou uma região se encontra em processo de desenvolvimento sustentável quando sua economia está crescendo, globalmente competitiva, distribuindo com equidade social e regional os frutos do crescimento, preservando, conservando e recuperando os seus ecossistemas. Assim, um dos principais objetivos ao se explorar petróleo na Amazônia deveria ser a adoção de um projeto de desenvolvimento sustentável e não apenas um projeto de crescimento econômico*.
Da mesma forma que há necessidade de se articular crescimento econômico com sustentabilidade ambiental, não pode haver complacência com a crise social na Amazônia, que acaba configurando uma sociedade regional dividida pelas condições de vida do seu povo, pela distribuição da renda e da riqueza, pelo campo diferenciado de oportunidades. As desigualdades sociais na Amazônia são profundas.
Em 2020, a taxa de pobreza extrema em algumas das Unidades da Federação na Amazônia Legal eram dramáticas: Maranhão (14,4%), Amazonas (12,5%), Acre (10,2%), Roraima (9,4%), Amapá (9,4%). A pobreza e a extrema pobreza não são maiores em áreas da Região que sobrevivem graças as políticas sociais compensatórias do Governo Federal (mais de 50% das famílias são beneficiárias dessas políticas na Amazônia e cerca de 80% dos recursos orçamentários das Prefeituras são originários de transferências fiscais do Governo Federal)*. Dessa forma, qualquer projeto de exploração dos recursos ambientais na Amazônia deve tratar simultaneamente da crise ambiental e da crise social.
A EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA AMAZÔNIA COMO UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
É grande a desconfiança de nossa população quanto aos benefícios das atividades extrativas minerais para a sociedade brasileira. Sem dúvida, o principal motivo está ligado ao fato de que, em sua maioria, os grandes desastres ambientais no Brasil estão relacionados aos projetos que utilizam intensivamente recursos naturais renováveis e não renováveis, entre os quais os projetos de petróleo e gás.
No século 21, destacam-se os seguintes maiores desastres no Brasil:
1. vazamento de óleo na Baía de Guanabara (2000);
2. vazamento de óleo nos Rios Barigui e Iguaçu no Paraná (2000);
3. naufrágio da plataforma P-36 na Bacia de Campos (2001);
4. rompimento da barragem para a produção de celulose em Cataguases-MG (2003);
5. rompimento de barragem Bom Jardim em Miraí-MG (2007);
6. vazamento de óleo na Bacia de Campos (2011);
7. incêndio na Ultracargo no Porto de Santos (2015);
8. rompimento da barragem do Fundão em Mariana-MG (2015);
9. rompimento da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho-MG (2019) com 270 mortes.
Entre a decisão de se implementar um grande projeto de investimento (GPI) e o início de sua operação, ocorre a gestão intermediária, onde estão as sementes que germinarão os grandes desastres. São as decisões relativas à microlocalização, aos processos tecnológicos, ao tratamento de resíduos e rejeitos, às relações com o entorno do sistema natural, etc., das etapas de implementação e operação dos projetos de investimento. É analisando os diferentes componentes de um projeto de planejamento e da sua concepção até o seu sucateamento que se torna mais transparente a avaliação dos impactos ambientais e os efeitos distributivos do projeto.
Como todas essas decisões relativas à concepção e à implantação de projetos de investimentos passam pela aprovação das estruturas regulatórias do Poder Público, é preciso considerar o descompasso entre os objetivos de desenvolvimento sustentável da sociedade e as disfunções burocráticas visando a “tornar as sociedades e os sistemas políticos mais resilientes e idealmente menos fragilizadas”*.
De que disfunções burocráticas está se falando?. Consideremos o posicionamento dos três níveis de governo em relação às decisões sobre novos projetos de investimentos em mineração. Em geral, os governos municipais e estaduais tendem a considerar apenas os grandes e efetivos benefícios desses projetos para o crescimento econômico local e regional (emprego, renda, base tributável, melhoria de infraestrutura) desprezando as manifestações de oposição da sociedade civil organizada quanto aos custos sociais e ambientais para as atuais e futuras gerações.
Tende a ocorrer uma polarização no processo de decisão sobre os resultados finalísticos: de um lado, há administrações que desativam e fragilizam os mecanismos e instrumentos das políticas ambientais e partem para atitudes de “porteiras abertas”; do outro lado, diante de incertezas quanto a se estar aprovando a ocorrência futura de novos desastres ambientais, os técnicos responsáveis enrijecem e dificultam a aprovação de novos projetos.
LP, LI, LO e LICENÇA SOCIAL PARA OPERAR
Usualmente, para a aprovação de projetos de investimentos, as empresas procuram obter o licenciamento ambiental que inclui a licença prévia (LP), a licença de instalação (LI) e a licença de operação (LO), incluindo as audiências públicas. Tudo ocorre dentro de um ritual muitas vezes lento, exaustivo e, principalmente, tenso e conflituoso que pode durar alguns meses até anos de controvérsias e incertezas entre o setor público e o setor privado, atrasando os investimentos que geram emprego, renda, divisas, tributos e taxas em um País que, desde os anos 1980, vem crescendo lentamente, empobrecendo sua população com o aumento dos brasileiros pobres e miseráveis, e que vem perdendo posição relativa no cenário econômico mundial em termos de progresso científico e tecnológico. Constata-se, igualmente, o empobrecimento dos grupos sociais da classe média (funcionários públicos, microempresários, profissionais liberais).
A posição empresarial panglossiana ao considerar que, aprovadas as licenças ambientais, a sua responsabilidade social está esgotada, podendo tocar em frente os seus projetos, porque, afinal, paga os seus impostos em dia, é um grande equívoco por diferentes razões:
1. Desde o processo de redemocratização do Brasil é crescente o grau de participação espontânea e induzida da sociedade civil no processo de decisão sobre o futuro dos grandes projetos de investimento, avaliando os seus custos e benefícios para a sociedade como um todo, considerando os interesses não apenas das gerações presentes mas também das gerações futuras que não estão presentes no mercado. Michael Common and Sigrid Stagl* consideram que os mercados sozinhos não são suficientes e que a governança também é necessária, um conceito mais amplo do que o de Governo.
Governo: refere-se ao Estado, que tem a legítima autoridade para tomar decisões em nome de toda a comunidade. Governança: refere-se à miríade de outras organizações e instituições envolvidas na condução democrática da sociedade na direção do processo de desenvolvimento sustentável (ESG). Enquanto num processo de planejamento burocrático, os projetos são avaliados apenas pelos órgãos dos três níveis de governo, ainda que com alguma consulta popular, em um processo de planejamento democrático participativo os projetos são avaliados pelos governos e outras instituições da sociedade visando a organizar as economias, de tal forma que gerem resultados finalísticos de maior sustentabilidade.
2. Como operacionalizar os papéis do Governo e dos segmentos organizados da sociedade civil (movimentos sociais, organizações não governamentais, instituições acadêmicas, MP, etc.) no processo decisório sobre um grande projeto de investimento? Através do processo de planejamento para negociação em torno de um documento denominado Licença Social para Operar, na construção do qual já existem metodologias consolidadas internacionalmente e algumas propostas preliminares no Brasil (ver “Metodologia de Gestão da Sustentabilidade de Projetos de Capital” - VALE/JANUS/AMPLO; ver também a Metodologia do IBASE–Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas - fundado pelo sociólogo Herbert José de Souza (o Betinho) e companheiros com o objetivo de elaborar projetos de planejamento participativo, entre outras instituições).
3. Como a governança abrange decisões tomadas em conjunto pelo setor público, pelo setor privado e pela sociedade civil, fica a impressão de que o processo será mais prolongado e custoso. Ledo engano. A discussão é conduzida por algumas regras do jogo que permitem decisões com maior agilidade:
a. casos há em que se conclui por ajustes incrementais ou por mudanças localizadas em alguma característica do projeto na fase de implementação ou de operação do projeto (caso do Aeroporto Internacional de Confins);
b. há casos em que ocorre o uso do princípio de precaução*. Os projetos podem ser postergados pela necessidade de informações adicionais sobre as relações e os impactos entre o sistema econômico e o sistema natural, com a preocupação da eventual ocorrência de danos ou desastres ambientais (caso do projeto da Rio Tinto na Calha Norte - Pará);
c. há casos em que novos projetos de investimentos provocam o depósito de resíduos e de dejetos que comprometem a capacidade assimilativa do meio ambiente, não podendo, pois, serem aprovados em função dos interesses das futuras gerações (caso dos projetos de mineração de garimpos ilegal na Amazônia).
4. Não devem ser aprovados também projetos que, para atingir uma taxa mínima de rentabilidade financeira, têm de utilizar mão de obra informal ou sem respeito às regras trabalhistas prevalecentes, como tem ocorrido frequentemente em projetos de mineração na Amazônia (garimpos ilegais) ou projetos que impactam ativos únicos em determinada localidade (Projeto Apolo versus recursos hídricos na RMBH).
5. O Relatório de Licença Social para Operar tem quatro módulos na metodologia de gestão da sustentabilidade( VALE/JANUS/AMPLO):
a. Módulo de Relacionamento com Stakeholders (formadores de opinião);
b. Módulo de Avaliação de Riscos e Oportunidades Socioambientais;
c. Módulo de Agenda de Sustentabilidade;
d. Módulo da Qualidade da Licença para Operar.
6. Como a Licença Social para Operar se soma às LP, LI, e LO, imagina-se que os custos de transação devem crescer enormemente; mas não quando se consideram os custos de oportunidade* do tempo que demora para se obter um licenciamento ambiental de um projeto que deixa de ser aprovado ou os custos de reparação de eventuais desastres ambientais futuros.
7. Na verdade, quando a sociedade civil rejeita um projeto por causa de sua localização em áreas urbanas congestionadas, por causa de sua concorrência com o uso de algum recurso ambiental relativamente escasso (hot point), por causa de suas características de “enclave econômico regional”, por se tratar de um ativo ambiental único, ela se mobiliza e induz uma participação e uma negociação ex post, num ambiente imprevisível de tensões, conflitos e controvérsias, muitas vezes de forma anárquica e interminável.
8. Há um ditado italiano que diz: “Tra Il dire e il fare c’ è di mezzo il mare”. De fato, a distância entre as palavras e os atos continua a ser particularmente grande em muitos projetos de investimentos. Assim, uma das questões principais da Licença Social para Operar é o sistema de avaliação e controle das ações programáticas para eventuais erros de operação e de gestão.
9. Pode-se ilustrar essas reflexões a partir de três casos ocorridos nos últimos anos, nos quais tive a oportunidade de participação privilegiada:
a. em 1980, antes mesmo da legislação atual sobre os crimes ambientais, quando se decidiu pela construção do Aeroporto Internacional de Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, houve duas manifestações de grupos da sociedade civil sobre a localização do projeto. A população de Vespasiano reagiu à eventual poluição sonora afetando o seu bem-estar social sustentável. E um grupo de ambientalistas manifestou preocupação com os impactos do projeto sobre as cavernas históricas de calcário na Região. Como resultado de negociações entre sociedade civil, setor público e setor privado (empresas construtoras), foram aprovadas mudanças no projeto: alteração na direção da pista e a realização de obras de contenção para preservar as cavernas calcárias.
b. anunciado pela VALE em 2009, o Projeto Apolo é um projeto integrado de mina, usina e ferrovia localizado em Caeté e Santa Bárbara, no Estado de Minas Gerais, prevendo a produção de 14 milhões de toneladas por ano; à época, houve uma forte resistência da população local e dos movimentos organizados da sociedade civil, em função principalmente dos impactos adversos sobre os recursos hídricos da Serra do Gandarela que abastece a Região Metropolitana de Belo Horizonte e sobre os riscos de rompimento de barragem. O projeto foi engavetado e criou-se o Parque Nacional do Gandarela. Os municípios onde haveria localização do projeto lamentaram o seu cancelamento por causa dos empregos a serem gerados na região que tinha um grande número de desempregados, subempregados e desalentados, principalmente de jovens de 18 a 24 anos. Hoje, 14 anos depois, com elevado custo de oportunidade para a Vale, após diálogos na ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais), uma nova versão do projeto está sendo apresentada, principalmente com mudanças nos processos tecnológicos sem barragem e sem o uso de água no beneficiamento do minério de ferro, assim como, reduções significativas na área do projeto.
c. há casos, contudo, em que prevaleceu o Princípio da Precaução como fator determinante da decisão finalística sobre o futuro do projeto de investimento. Cita-se, como exemplo, um grande projeto de investimento na exploração de bauxita da Rio Tinto, na Calha Norte (PA). Apesar do apelo de 16 Prefeitos dos Municípios na área de influência do projeto (mina + ferrovia + porto), afirmando que uma das principais alternativas de emprego para a juventude na área tem sido nos mercados de trabalho informal como o tráfico de drogas, o projeto não foi aprovado por deixar incertezas sobre os seus impactos ambientais na Floresta Amazônica. Incertezas que nasceram dos danos e desastres ambientais provocados na Amazônia Legal pelo ciclo dos grandes projetos de investimentos, a partir dos anos 1970, que entraram na Região com “as porteiras abertas” e acesso livre.
UMA PROPOSTA PARA TRANSFORMAR A EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA MARGEM EQUATORIAL EM UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Partindo dos pressupostos de que o projeto de exploração do petróleo na Margem Equatorial é indispensável para a retomada do crescimento econômico do Brasil e de que é possível arquitetar o projeto em termos de desenvolvimento sustentável, elaboramos uma proposta para a sua implantação a partir de um conjunto de condicionalidades conceituais e operacionais. Por se tratar do maior ativo ambiental da sociedade brasileira, a Amazônia é parte do Patrimônio Nacional da Sociedade Brasileira e não pode ser explorada pelas forças livres de mercado sem se submeter às estruturas regulatórias do Poder Público, o qual define os objetivos e as metas de uso sustentável do Bioma*.
Para a formulação da Proposta, iremos analisar dois casos de projetos nos quais apareceram problemas ambientais com alguma semelhança na questão que estamos tratando. No início dos anos 2000, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estava financiando o asfaltamento da rodovia Santa Cruz de La Sierra (Bolívia)–Corumbá, quando apareceu um legítimo movimento dos ambientalistas temendo os seus impactos degradantes sobre o meio ambiente, especificamente sobre o Parque Nacional Kaa-Iya Del Gran Chaco.
Para equacionar o dilema que levava a um impasse decisório, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) constituiu uma comissão presidida pelo Embaixador da Holanda no Brasil para elaborar uma proposta para o equacionamento do problema organizacional. A proposta final que desfez o nó da divisória foi a de dois programas: o do asfaltamento da rodovia e o de conservação, preservação e recuperação do Parque, com os dois cronogramas físico-financeiros dos projetos integrados de tal forma que um não avançasse sem que o outro também não avançasse, uma forma encontrada para dar segurança aos ambientalistas de que o que precisava ser feito seria feito, podendo paralisar as obras da rodovia caso as obras de conservação e preservação e recuperação do Parque não fossem realizadas.
Uma modelagem semelhante já havia ocorrido, em 1980, no projeto da estrada Caratinga–Vale do Aço (MG) que cruzaria o Parque do Rio Doce. A equipe técnica do DER-MG, responsável pela elaboração do projeto, visitou experiências equivalentes em parques dos EE.UU. e conceberam o projeto respeitando a Biodiversidade do Parque (mega túneis para a mobilidade da fauna, legislação para evitar a poluição sonora do tráfego de carros e caminhões, taxa de pedágio para financiar a conservação do parque, etc.); o projeto não foi implementado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) por falta de financiamento.
Jared Diamond, em seu livro Colapso*, ao avaliar projetos de poços de petróleo na Nova Guiné, encontrou dois casos do espectro oposto de impactos ambientais, degradantes e sustentáveis. O projeto na Ilha Salawati, visitada com o objetivo de elaborar um survey de aves nas ilhas da Nova Guiné, apresentava todos os problemas ambientais quando um GPI entra em uma região apenas para criar valor para os acionistas, com porteira aberta de acesso livre, sem estruturas regulatórias e restrições operacionais. Faz parte do que o biólogo Garret Hardin definiu como “a tragédia dos bens comuns”, uma situação em que indivíduos e instituições, agindo de forma independente e racional de acordo com os seus próprios interesses, se comportam contrários aos melhores interesses da sociedade, esgotando algum interesse comum ou social.
O segundo projeto foi o campo de petróleo de Kutuba, operado por uma subsidiária da grande companhia de petróleo Chevron Corporation e localizado na Bacia do Rio Kikori da Papua Nova Guiné, em uma área sensível e difícil de trabalhar. Em 1993, a Chevron envolveu a World Wildlife Fund (WWF) para preparar um amplo projeto integrado de conservação para toda a bacia hidrográfica, visando a minimizar os danos ao meio ambiente, beneficiando as comunidades locais economicamente e atraindo recursos do Banco Mundial para a promoção de desenvolvimento comunitário.
O componente da conservação ambiental foi muito detalhado, cabendo destacar duas atividades:
a. definição de regras para alguém estar na área do projeto com a proibição de armas de fogo ou equipamentos de caça de qualquer tipo, drogas e álcool; para isto, os milhares de funcionários eram treinados e conscientizados sobre segurança e proteção ambiental;
b. a estrada de acesso ao projeto era concebida com a largura suficiente para a passagem de dois veículos em direção oposta, sendo que o equipamento pesado foi transportado de helicóptero;
c. um programa de avaliação, controle e fiscalização das atividades desenvolvidas;
d. projetos de preservação e conservação nas áreas de influência direta e indireta da exploração de petróleo.
Considerando que:
a. a transição energética poderá durar até meio século antes que se possa dispensar a energia do petróleo e do gás,
b. o Brasil precisa retomar um processo de crescimento econômico sustentado (contínuo e estável) e sustentável (prosperidade + justiça social + sustentabilidade);
c. há experiências nacionais e internacionais da arquitetura de grandes projetos de investimento (GPI) que permitem conciliar eficiência econômica e sustentabilidade ambiental baseando-se em novos avanços do conhecimento científico e tecnológico, propõe-se que:
1. haja elaboração de dois projetos integrados para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, um de conservação e preservação ambiental, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e outro das atividades diretamente produtivas, elaborado pela PETROBRÁS, ambos financiados pela PETROBRÁS;
2. os dois projetos sejam concebidos como projetos de desenvolvimento sustentável segundo o trilema global ético (prosperidade – consumo de massa + justiça global + sustentabilidade ecológica)*;
3. a operacionalização dos projetos deve ter os seus cronogramas físicos e financeiros integrados com previsão de avanço simultâneo;
4. a supervisão do processo de implantação dos projetos deve ser realizada conjuntamente pelo MMA e a PETROBRÁS;
5. como na criação da VALE em 1942, 8% do lucro líquido gerado pela PETROBRÁS na Margem Equatorial devem ser destinados a uma Reserva sob a gestão do MMA, com objetivo de apoiar projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia, inclusive projetos de diversificação da base econômica nas áreas de impactos diretos da exploração do petróleo e gás;
6. o arcabouço dos dois projetos integrados deve ser concebido segundo os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU;
7. caso não haja consenso entre o MMA e a PETROBRÁS sobre a concepção e a implementação dos projetos, é recomendável pelo PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO que a exploração de petróleo na Amazônia seja postergada.
**Julia Lynch – The Regimes of Inequality: The Political Economy of Health and Wealth – Cambridge, 2020.
* Paulo R. Haddad – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Narrativas para a Construção do Futuro. Caravana/e-Galáxia, 2023.
* Paulo R. Haddad – Amazônia: Crise Social e Crise Ambiental, Caravana, e-Galáxia, 2023
* Niall Ferguson – Doom: The Politics of Catastrophe, Penguin, 2021.
* Michael Common and Sigrid Stagl – Ecological Economics. Cambridge University Press, Part III, Governance, 2005. A expressão panglossiana se refere ao Dr. Pangloss, personagem da peça “Candide” de Voltaire (1759) que tinha uma atitude ingénua diante dos problemas da vida para quem “tout va pour le mieux dans le meilleur des mondes”.
*Princípio de Precaução: quando uma atividade provoca receios ou danos à saúde humana ou ao meio ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas mesmo que algumas relações de causa e efeito não estejam totalmente estabelecidas cientificamente(Common/Stagl).
*Custo de Oportunidade: é o custo associado com oportunidades que são perdidas quando os recursos de uma empresa ou da sociedade não são alocados no seu melhor uso alternativo (ver Paulo R. Haddad – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ed. Caravana, 2023.
* A definição dos objetivos e das metas deve orientar todas as etapas de elaboração e de execução de um plano; não há porque desconhecê-los em qualquer momento: conta-se que, na Idade Média, a população de uma Província na França estava passando fome, quando alguém lembrou de um fazendeiro que tinha um porco bem tratado; quando o fazendeiro viu que a multidão de famintos vinha roubar o seu animal de estimação, levou-o para dentro da casa com o objetivo de protegê-lo e o colocou no meio da sala para atirar contra a multidão pela janela da frente e pela janela de trás. Toda vez que ia de um lado para o outro, tropeçava no porco; impaciente abriu a porta e atirou o porco para fora da casa, dizendo “esse porco está atrapalhando minha guerra”.
* Jared Diamond, geógrafo e ornitólogo, escreveu o livro Colapso – Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso. e-book Amazon, cap. 15
* Ralf Eriksson and Jan Otto Anderson – Elements of Ecological Economics, Routledge, 2010.
PNUMA – TEEB: The Economics of Ecosystem and Biodiversity., Earthscan, 4 vol., 2010
P.R. Haddad – Economia Ecológica e Economia Integral. Amazon, Kindle, 2017.
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