Desde que as experiências das economias socialistas entraram em processo de decadência, tendo como referência a queda do Muro de Berlim, os analistas passaram a se concentrar na avaliação dos diferentes estilos do capitalismo. O capitalismo tem alguns princípios que caracterizam o sistema: a produção é organizada visando ao lucro, utilizando mão de obra assalariada legalmente livre, sendo a propriedade do capital predominantemente privada com coordenação descentralizada.
Embora sua característica fundamental seja comum a todas as suas configurações diferenciadas entre países e regiões, há experiências e estilos do capitalismo que variam quanto ao que é público e ao que é privado, ao grau de intervenção do Estado na economia, à qualidade dos empreendedores em sua maior ou menor propensão ao rentismo financeiro ou ao progresso tecnológico, etc.
Branco Milanovic, economista sérvio-americano que chefiou o departamento de pesquisas econômicas do Banco Mundial, argumenta que há duas mudanças no período em que o Mundo vive atualmente: o estabelecimento do capitalismo não apenas como sistema dominante, mas como único sistema econômico no Mundo; e o reequilíbrio de poder econômico entre a Europa e a América do Norte, de um lado, e a Ásia, do outro. Menciona que há exceções (Cuba, Vietnam do Norte, etc.) em áreas muito marginais, sem nenhuma influência global. Vivemos em um Mundo no qual todos seguem as mesmas regras e compreendem a mesma linguagem da realização do lucro: o capitalismo sem rivais.
Para Milanovic, a dominância do capitalismo em escala mundial foi atingida por dois tipos diferentes de capitalismo. O capitalismo liberal meritocrático, que se desenvolveu no Ocidente nos últimos duzentos anos e que se refere a como os bens e serviços são produzidos e trocados (“capitalismo”), como são distribuídos entre indivíduos (“meritocrático”), e quanto há de mobilidade social (“liberal”). O capitalismo de Estado ou autoritário, que denomina de capitalismo político (tendo o modelo chinês como arquétipo), emergiu, em muitos casos, como um produto das revoluções comunistas, com governos de partido único; propriedade estatal de ativos; planejamento central; repressão política.
No caso brasileiro, há algumas características marcantes do capitalismo. A predominância, desde a crise de 1929 até os anos 1990, do que Peter Evans, sociólogo da Universidade de Berkeley, denominou “a tríplice aliança”: a convivência no mesmo contexto histórico das empresas privadas nacionais, das empresas multinacionais e das empresas estatais. Muitas fragilidades e incapacidades sistêmicas são notórias em nosso estilo de capitalismo.
Incapacidade para equacionar o problema da pobreza persistente e para reverter um processo de crescentes desigualdades na distribuição da renda e da riqueza. Incapacidade para conter o uso predatório da base de recursos ambientais do País. Incapacidade para eliminar a tendência de imiscuir interesses privados com interesses públicos na gestão governamental, dentro do estilo de capitalismo de compadrio, associado às práticas de corrupção. Incapacidade para controlar a vocação entre protagonistas políticos para ações de populismo econômico, os quais criam ciclos de instabilidade econômica resultando, quase sempre, em elevadas taxas de desemprego e processos inflacionários.
Paulo R. Haddad é professor emérito da UFMG. Foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco.
Texto originalmente publicado no jornal O Tempo em 03/06/2021
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