É comum, quando se visitam diferentes regiões do Brasil que atravessam um período de crescimento econômico acelerado, com taxas anuais superiores a 7%, notar que os habitantes locais referem-se à sua região como “a Califórnia do Brasil” para designar uma fase de sua história de inegável prosperidade e riqueza. Um exemplo recente é o Sul do Estado de Rondônia, com o progresso na produção competitiva de proteína vegetal e de proteína animal. Na realidade, a prosperidade vem da especialização bem arquitetada na produção de grãos (soja, milho) e de carnes para exportação inter-regional e internacional.
Nesses casos, todos os indicadores econômicos e financeiros da região passam a apresentar elevadas taxas de crescimento per capita: o PIB, a renda, o emprego e a base tributável. Entretanto, a região cresce, mas não se desenvolve de forma sustentável (= crescimento econômico + equidade social + sustentabilidade ambiental).
As experiências históricas têm demonstrado que o futuro do desenvolvimento das regiões depende da quantidade e da qualidade dos diferentes capitais acumulados que as mesmas dispõem no presente. Esses capitais podem ser considerados como tangíveis ou intangíveis, sendo que os capitais tangíveis são os recursos naturais, a infraestrutura econômica e social, e o capital técnico (máquinas, equipamentos, instalações). Os capitais intangíveis ou o capital social (institucional, humano, intelectual, cultural, cívico, sinergético, empreendedorismo, etc.) são indispensáveis para um processo de desenvolvimento sustentável. Observa-se, por exemplo, um déficit de capital social nas áreas economicamente deprimidas, as quais englobam, atualmente, cerca de 1800 dos 5570 municípios brasileiros.
Uma das condições necessárias para o desenvolvimento de uma sociedade é que ela disponha de capitais físicos. As condições suficientes são dadas pelos capitais intangíveis, entre os quais se destaca o capital institucional (bons governos, boas universidades, boas associações empresariais e comunitárias, etc.).
É o capital social que permite aos membros de uma comunidade confiar um no outro, confiar na formação de novos grupos, realizar ações em comum, facilitar ações coordenadas com as redes sociais, com base na confiança e em normas como solidariedade, engajamento cívico e reciprocidade. É ele que induz a mobilização das lideranças locais para a promoção do desenvolvimento regional, através de inovações científicas e tecnológicas.
Se perguntarem, por exemplo, por que as regiões da fronteira agrícola, vinculadas à produção de grãos, crescem mas não se desenvolvem, tais como as regiões do Meio-Oeste dos EE.UU. (Iowa, Illinois, Minnesota, Nebraska), responda: a combinação de capitais tangíveis e intangíveis que a região controla é que define “os limites do possível” do seu patamar de crescimento econômico ou do seu desenvolvimento sustentável.
Diga, também, que se as lideranças comunitárias, empresariais e políticas optarem por uma atitude conformista face à vulnerabilidade de uma região especializada em commodities e à sua eventual decadência econômica, deixarão como valor de legado para os seus netos uma sociedade dividida pelas desigualdades de renda e de riqueza, uma economia de baixa competitividade sistêmica e um meio ambiente degradado.
Paulo R. Haddad é professor emérito da UFMG. Foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco.
Texto originalmente publicado no jornal O Tempo em 19/11/20.
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