No primeiro trimestre deste ano, não houve a distribuição do auxílio emergencial. O que significa que milhões de famílias brasileiras dos desempregados ou dos subempregados na informalidade não tiveram renda disponível para consumir. O auxílio emergencial que se prevê para os próximos quatro meses é absolutamente insuficiente para a sobrevivência digna dos pobres e dos miseráveis do nosso país. Já se observa que, lado a lado com o combate à pandemia, a sociedade brasileira terá que executar um programa de enfrentamento diuturno às mazelas da fome. Se o vírus mata de morte matada, a fome mata de morte morrida.
Josué de Castro (1908–1973), médico e cientista social pernambucano, foi não apenas um rigoroso analista da questão da fome no Mundo, mas também destacado protagonista na elaboração e na execução de programas contra a fome.
Para ele, o medo da fome, presente durante 24 horas nas precárias submoradias e entre os pobres andarilhos nas grandes cidades, ocorre de forma mais intensa nas economias que convivem com imensas desigualdades sociais, particularmente em período de conflitos bélicos, de pragas e de pandemias. Dizia, entretanto, que: “o medo é, dos sentimentos humanos, o mais dissolvente, porque nos leva a fazer muita coisa que não queremos fazer e deixar de fazer muita coisa que queríamos e necessitávamos fazer”.
A volta da fome no Brasil encontra a economia colhendo os frutos amargos do fracasso de uma política econômica. Comparando os indicadores de desenvolvimento sustentável (= retomada do crescimento econômico + equidade social e regional + sustentabilidade ambiental) do início do atual governo até os dias de hoje, os resultados são frustrantes. Os indicadores de degradação do meio ambiente, o crescimento pífio da renda e do emprego e o crescimento vertiginoso do número dos brasileiros pobres e miseráveis sinalizam que os tempos clamam por grandes transformações socioeconômicas e socioambientais.
Males trazidos pelos estigmas da pandemia ou pelos próprios equívocos da política econômica? O que interessa neste momento é destacar o baixo nível de resiliência da economia brasileira. Uma economia é resiliente quando submetida a algum choque externo (a pandemia) continua a existir e operar em suas funções essenciais. A resiliência de um sistema não requer um funcionamento contínuo e uma evolução linear, mas pressupõe adaptabilidade a novas trajetórias construídas a partir da renovação das ideias, dos pactos e dos consensos na sociedade.
Se as autoridades econômicas e políticas ficarem em estado letárgico, de profunda e prolongada inconsciência, deixando que “mão invisível” dos mercados equacione os atuais problemas, iremos assistir impotentes a acontecimentos trágicos e funestos ao longo das próximas semanas e meses.
É imperativo que seja arquitetada uma nova política econômica, executada com competência técnica e sensibilidade política. Enquanto o Governo Federal persistir na atual trajetória, temos que avançar com a economia solidária das ações de grupos comunitários e organizações não governamentais. Lembrando sempre que um pouco dos que têm muito pode significar muito para os que têm pouco. Como dizia Josué de Castro: “Os ingredientes da paz são o pão e o amor”.
Texto originalmente publicado no jornal O Tempo em 01/04/21.
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